Um novo patrono para o Engenhão
Elio Gaspari, O Globo. 18/07/12
“A cada dia que passa e o
estádio olímpico do Engenhão continua com o nome de João Havelange, o prefeito
do Rio, Eduardo Paes, confirma as palavras dos advogados da Fifa no processo
que tratou do capilé de US$ 14 milhões recebidos pelo doutor e por Ricardo
Teixeira: “Pagamentos de subornos pertencem ao salário recorrente da maioria da
população na América Latina e na África.”
Havelange e Teixeira
receberam, mas a galera que vai aos estádios e elege prefeitos leva a fama. A
exposição da malfeitoria, treze anos depois das primeiras denúncias, mostra que
os subornos, quando rolam no andar de cima, são protegidos por um sistema de
salvaguardas especiais. No caso da dupla, a blindagem funcionou na própria
Suíça, pois as principais acusações surgiram em 2006. Havelange foi protegido
ao limite do possível. Ele dirigiu a Confederação Brasileira de Desportos de 1956 a 1974, e a Fifa de 1974 a 1998, quando foi
aclamado seu presidente honorário, título que ainda mantém. Afora isso, foi
membro do Comitê Olímpico Internacional e fez Ricardo Teixeira, que era seu
genro, presidente da Confederação Brasileira de Futebol. Os dois saíram de
fininho no ano passado, quando a magistratura suíça já estava atrás de suas
contas.
Aos 96 anos, Havelange
ensinou: “Difícil na vida não é chegar, é saber sair. Tem que sair bem.” Ele
construiu seu verbete na história do esporte brasileiro e destruiu-o na saída.
Charmeur irresistível e grosseirão inesquecível, “nosso querido Havelange” (nas
palavras de Lula), encantou governantes e ajudou atletas colocando-se ora como
patriarca onipotente, ora como cortesão maltratado. Quando Pelé contrariou-o,
disse: “Dei todas as atenções e fiz gentilezas a esse moço.” No ano passado, a
doutora Dilma tomou-lhe o passaporte diplomático e ele lamentou-se: “Eu merecia
isso? É isso que dói, este é o meu país.”
Havelange e Teixeira
encarnaram a transformação do futebol num empreendimento bilionário. Em 1958,
quando o ex-sogrão trouxe a primeira Copa do Mundo para o Brasil, o goleiro
Gilmar ganhou uma bibicleta e um terno. Hoje os craques pilotam Ferraris. Há
patrocinadores para atletas, clubes, seleções e Copas, e, se isso ajudou a
profissionalizar o esporte, serviu também para montar propinodutos e
lavanderias de dinheiro. A rede de interesses criada pelo progresso deu à
cartolagem oportunidades para a delinquência e fez da Fifa uma central de
negócios, ramificada em donatarias nacionais.
A presença da empreiteira
Delta na construção de estádios para a Copa de 2014 é um solene indicador dos
perigos que rondam a festa. Até bem pouco tempo Joseph Blatter, presidente da
Fifa (secretário-geral ao tempo de Havelange), comportava-se nas negociações
com o Brasil como se fosse um chefe de Estado, manipulando a síndrome de
“vira-latas” dos burocratas com quem tratava.
O ocaso de Havelange deveria
levar o prefeito Eduardo Paes a aceitar uma disputa com a Fifa. Ganhará quem
chegar primeiro: os cartolas suíços extinguindo a presidência honorária da
instituição ou o doutor, trocando o nome do Engenhão.
Se o prefeito entregar a
escolha do nome do estádio à galera que o frequenta, mostrará que “pagamentos
de subornos” não “pertencem ao salário recorrente da maioria da população” do
Rio.”
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