Neal Cassady era Botafogo
Tive,
ontem, o raro prazer de assistir um sonho realizado. Vi alguns dos meus ídolos
reencarnados, por mais que tenha sido de forma mandrake. Puseram um Kerouac parecido
com Harry Potter, um Ginsberg pré-puberdade e um Cassady loiro de olhos
claros, usando perfume e de dente escovado. Mas tudo isso, com o passar do
filme, tornou-se irrelevantes. A admiração que tenho por este grupo e,
especificamente, pela obra do Jack, deixou-me em êxtase.
On The Road
marcou minha vida como poucos livros; E um filme que demorou décadas para ser
produzido e lançado, pelo rancor de não chegar aos pés do homônimo, não poderia
ser desprezível. Como qualquer bom botafoguense, não esperava sair da sala
podendo falar: “Vejam este filme”. Mas assim o fiz.
Não é um filme
perfeito. Achei o Walter Salles precoce em alguns cortes e faltou explorar
melhor a estrada em si, porém admirei o fato de não se limitar somente ao On The
Road, pegando passagens de outros livros, visando uma maior compreensão, para
leigos, do que foi aquela geração. Não sou o tipo de babaca que pensa que
conhecimento deva ser limitado a alguns. Todos devem ter oportunidade de
compreensão. Sei também que nem todos compreenderão, e de certa forma, essa
constatação me alenta.
Uma das coisas
que mais me receava com relação a filmarem de uma obra kerouaciana era o fato
de transformar aquilo em uma simples história. E, como qualquer bom escoteiro,
bati com a cara na parede mais uma vez. O filme, em certos momentos, tenta
fugir disto. Em vão. E
não foi somente desta vez. Qualquer obra literária que tenta ser passada pro
cinema tende a sofrer deste mal. Tende.
Uma das coisas
que aprendi com seus livros foi exatamente esta: A felicidade e a qualidade de
qualquer existência não estão na chegada, na conclusão, mas sim no caminho, nas
entre linhas. Porém, meus caros, garanto-lhes que isto nunca será feito,
primordialmente, com uma obra de Jack Kerouac.
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Nas
obras deste, é impossível não se apegar ao Neal Cassady. O Jack sempre fez o
papel de transmissor, enquanto o Cassady era o personagem em voga. Vagabundo,
sem medo, ladrão, ilimitadamente humano e sincero, são qualidades presentes
nesse “personagem”, mas que não chegam nem perto de serem capazes de suprir
todos suas características. Reza a lenda que além de Ginsberg ser apaixonado por
ele, Kerouac também o era. Não por menos, quando soube da morte de seu amigo,
foi-se junto alguns dias após.
Observamos que, em uma
época de seres tão honestos e ativos, todos sofriam com Cassady a mesma coisa
que o Rei Midas sofria com o ouro. Ambos completavam, até mesmo de forma
compulsiva, a vida alheia. Algo parecido com o contato de qualquer ser humano
com a saga alvinegra. È impossível alguém, disposto a aprender, ter contato com
esta entidade e não se apaixonar. Nós não torcemos pro time da moda, não
torcemos pro time com mais títulos e, muito menos, pro de maior torcida;
Torcemos pro time com mais historias para contar. Portanto, proclamo desde já:
O Botafogo é
Literatura. E sem a literatura futebolística no mundo, a Copa já seria
disputada no pebolim. E afirmo, por essas e outras, que o Casady, ser
intelectualmente avançado e consciente de seu lugar no mundo, era Botafogo. Sem
dúvidas.
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